Artigo por JOÃO MATOS

O tempo da/que dá subjetividade humana

Publicado na Revista Psicologia na Actualidade, 2015

Será o Tempo minutos, horas, dias, o passado, o presente e o futuro ou, então, a chuva, o sol, o vento, o calor, o frio ou a neve?

Como é que fenómenos tão distintos podem ser todos tempo? Só os podemos aceitar como tempo se os encararmos na perspectiva de algo que é factor de mudança, sendo que para existir uma mudança, um espaço tem que conter dois elementos diferenciáveis. Para existir presente tem que existir passado. Para existir calor, tem que existir frio e para que exista um (novo) minuto tem que existir o seu anterior.

Tempo é assim a diferença de uma coisa para a outra. Se existir só presente e presente, a palavra presente, como a tomamos, perde o seu significado. O mesmo acontece com todos os anteriores e outros exemplos.  

Quando num período alargado de tempo não existem acontecimentos de contraste, é costume ouvir-se “está a custar passar o tempo” ou “o tempo não passa” ou o contrário gramaticalmente – “não se passa nada”. Se pensarmos nesta última frase, ela é muito clara em relação ao que é o tempo. O tempo será a espera entre um acontecimento e o outro consequente. A frase diz que um acontecimento não passa para o outro, ficando o “nada”. O tempo não está a passar pelo nosso sentir.

Podemos exemplificar a ausência da noção de tempo se imaginarmos uma pessoa a conduzir de noite numa longa estrada sempre em recta. Não existem contrastes e o indivíduo é convidado a dispersar-se num sítio não balizado.

A experiência de tempo passará mais rápida quando guiando numa estrada de curvas porque o sujeito concentrado na condução se adapta ao novo estimulo/diferença do anterior. Contudo, se as curvas forem demasiado sucessivas, o meio envolvente apodera-se em demasia sobre o indivíduo, voltando este a perder a noção de tempo.

Estas várias hipóteses de situações são um ponto-chave no que toca ao tempo. Se o meio exterior não estimular, a noção de tempo perde-se, mas se este meio hiper-estimula o mesmo acontece, pois o indivíduo não digere o tempo.

Outro exemplo pode ser imaginado quando um indivíduo está preso. Passado algum tempo, da mesma maneira, este perde a noção do tempo. Embora nos primeiros dias se consiga socorrer da sua memória e da sua racionalização, a envolvente estática que o impede à renovação de estímulos acaba por vencer. O extremo oposto será um workaholic que atende duas chamadas ao mesmo tempo, por exemplo. O dia passa e ele não dá por isso. 

O que está aqui subjacente em relação ao tema do tempo não são só horas, dias, chuva ou calor, mas fundamentalmente a vivência, ou não, de sensações várias.

No espaço em que o nosso universo se insere existe um tempo objectivo. Os planetas têm um tempo de rotação sobre o sol que, por seu lado, arde. O tempo objectivo que nos interessa, o da terra, é por nós medido em várias escalas de diferentes dimensões (anos, meses, dias, horas, minutos e por ai fora). Já o tempo subjectivo diz respeito à nossa relação com a realidade exterior. Um dia pode parecer uma semana; ou anos passados parece que foi ontem.

No tempo subjectivo de cada sujeito, como já vimos, serão os estímulos exteriores a dar a noção da passagem desse tempo. Ao surgir um estímulo novo, o indivíduo terá de se adaptar para dar uma resposta à nova sensação. Isto requer uma mudança/adaptação interior.

Falta agora perceber como é que estes estímulos ressoam as diferentes estruturas do sujeito para que este entenda/interiorize/tenha o tempo.

Recuemos a um bebé. O bebé vem ao mundo sem tempo. Ele não sabe, nunca soube, esperar. Na barriga da sua mãe, comia, dormia quando queria. O sentir tempo terá de ser aprendido pelo bebé. Não é algo inato ao recém-nascido. Irá ter de adquirir a capacidade de esperar entre uma coisa e a outra. Entro o desejo e a sua realização.

Segundo Freud, Kernberg ou Mahler, entre outros, até aos primeiros 3 meses de vida, o bebé encontra-se num estado de indiferenciação em relação ao exterior. As introjecções só começam aproximadamente a partir deste momento. Mas ainda assim, não existirá desde logo uma memória capaz de permitir a constância do objecto no sujeito.

Esta competência vai sendo desenvolvida através da repetição do acontecimento até que este seja esperado e desejado pelo bebé, que o passa a alucinar internamente. Será então a repetição de uma tarefa a permitir a aquisição da tolerância à frustração. O bebé aprende a esperar, a ter tempo.

"Este balançar internamente é de grande importância para o desenvolvimento interior do sujeito. É a qualidade, mas também quantidade, de fantasia e de sonho que farão ressonância com os estímulos exteriores."

Mas uma espera pressupõe que mais tarde ou mais cedo haja uma concretização. Ninguém, nenhum Ser humano aguenta só esperar. Terá de existir um acontecimento exterior que ressoe acontecimentos interiores.

No diálogo de uma relação com o exterior há uma viagem dentro-fora. Se o estar apenas dentro (no sonho ou na fantasia) é, como dizia Freud, intemporal, estar só fora também o é. O indivíduo híper estimulado também não digere o que sente. “Está fora de si”.

Será uma combinação entre o desejo e o princípio da realidade que tornarão possível a sensação e a relação com o tempo. O contraste equilibrado é, então, essencial. Quanto maior for a quantidade e a qualidade das introjecções internalizadas em infância, mais rica vai ser a capacidade do sujeito fantasiar, sonhar ou simplesmente alucinar o objecto ausente, em espera, que o permite dialogar com os estímulos exteriores.

Por outro lado, a presença de aspectos confusos, advindos de primitivas comunicações doublebind ou a pobreza de acontecimentos internalizados, evocarão o indivíduo a uma compensação de experiências exteriores (acting outs, como consumismo ou comportamentos mais agressivos; ou ainda o mesmerar repetições de um evento).

Será aquando as experiencias primeiras do uso do mecanismo da clivagem que este doseamento de elementos enriquecedores da estrutura psicológica jogara as suas cartas. Qualquer desequilíbrio será prejudicial para a noção e capacidade futura de tempo. Ao clivar, o bebé vai criar dois campos distintos. No entanto, a noção de tempo é distorcida quando o sujeito cliva demais ou de menos. Ou seja, importa que o sujeito consiga ter núcleo equilibrado de aspectos positivos e de aspectos negativos.

Se a clivagem tender para ser negativa, a clivagem “defesa”, impedirá uma maior internalização de elementos nas estruturas para isso disponíveis. Se tender para ser “exclusivamente” positiva, fruto da relação com uma mãe muito depressiva, de forma idêntica, faltarão aspectos negativos para contrapor a balança.

Já quando a fase da clivagem é bem sucedida, a criança passa a estar munida de aspectos positivos que permitem a presença balanceada de aspectos negativos. A fantasia flui, o sonho tem o bom e o mau, existindo uma história negativa e outra positiva. As partes estão em equilíbrio. 

Imaginemos um pêndulo de um relógio. Este tem de fazer uma viagem de modo a tomar um balanço que o lança para o outro lado. A existência de dois lados atractores ao pendulo farão este ritmar e mover-se/viver.

Este balançar internamente é de grande importância para o desenvolvimento interior do sujeito. É a qualidade, mas também quantidade, de fantasia e de sonho que farão ressonância com os estímulos exteriores. Os elementos internos serão receptores dos estímulos exteriores, que abrirão portas às fantasias várias, mas são também, no sentido oposto, os desejos que lançaram o indivíduo na procura de um novo estímulo.

Assim, podemos pensar que quando há uma predominância de introjecções negativas face às positivas, o diálogo interno-externo não acontece e o sujeito não espera o que quase nunca teve. A noção de tempo é perturbada (psicose); por outro lado, se vingam os aspectos positivos numa quase exclusividade, a frustração até então desconhecida é a todo o custo evitada. A criança não espera (autismo). Desta forma os extremos tocam-se para duas estruturas que não têm tempo.

Segundo Freud, Kernberg ou Mahler, entre outros, até aos primeiros 3 meses de vida, o bebé encontra-se num estado de indiferenciação em relação ao exterior. As introjecções só começam aproximadamente a partir deste momento. Mas ainda assim, não existirá desde logo uma memória capaz de permitir a constância do objecto no sujeito.

Esta competência vai sendo desenvolvida através da repetição do acontecimento até que este seja esperado e desejado pelo bebé, que o passa a alucinar internamente. Será então a repetição de uma tarefa a permitir a aquisição da tolerância à frustração. O bebé aprende a esperar, a ter tempo.